Porque é que as crianças praticam bullying?

O que leva as crianças a praticar bullying

Há várias razões que levam uma criança a praticar bullying, a que eu hoje gostaria de reflectir aqui é o quanto as atitudes dos adultos influenciam/ensinam a praticá-lo.

É comum dizer-se que o bullying advém do desejo de ser-se mais popular, sentir-se poderoso, obter uma boa imagem de si próprio, reforçar a autoconfiança, necessidade de pertença, etc. No entanto tudo isto advém de uma causa comum, o medo.

O medo de não ser reconhecido, o medo de não ter conexão, o medo que descubram os seus medos e fragilidades, o medo de ficar de parte, o medo de não ser capaz, o medo de não ter razão, o medo de não ser bom suficiente, o medo, o medo, o medo.

A natureza deu várias estratégias para os animais lidarem com o medo. Há animais que enfiam a cabeça na areia pois acreditam que se não virem o perigo este deixa de existir, outros acreditam que a melhor solução é esconderem-se, camuflarem-se, ou seja, passar a vida o mais despercebido possível. Também existem muitos animais que optam por acreditar que a melhor solução é fugir quando receiam algo e outros acreditam que a melhor opção é atacar aquilo que receiam.

Há animais que usam sempre a mesma estratégia, outros dependendo da situação, do medo em causa e dos recursos disponíveis no momento, podem usar uma das três possibilidades atrás referidas, o ser humano usa todas as possibilidades ao longo da sua vida.

No caso do bullie, este opta por usar o ataque a alguém para assim acalmar o seu medo. Existem estratégias muito eficazes de ajudares o teu filho a evitar ser vítima de bullying, bem como existem muitas coisas que podes fazer quando o teu filho é o agressor, ou seja, quando o teu filho pratica bullying. Nesta fase é muito importante que entendas o seguinte:

Na grande maioria dos casos o bullie não escolhe a vítima porque tem medo dela, ele escolhe-a porque tem medo de algo e acredita que se atacar aquela vítima em particular irá proteger-se daquilo que tem medo. 

Voltando ao tema que quero abordar hoje relativamente ao facto das atitudes dos adultos influenciarem/ensinarem as crianças a praticar bullying, existem várias universidades que investigam esse tema, a Universidade de Warwick, nos Estados Unidos é um excelente exemplo disso.

Existem as causas mais flagrantes, como os abusos, a negligência, bem como a superprotecção, mas a que hoje quero abordar aqui é a mais comum delas todas que é a aprendizagem por exemplo

Quando uma criança é confrontada por estar a liderar uma acção de bullying sobre outra, esta tende a dizer que não é bem assim, que só se estavam a divertir-se, ou que a culpa é da vítima e só teve o que merecia. Da mesma forma quando outras crianças que entram no jogo liderado pela primeira e são confrontadas por isso, tendem a defenderem-se primeiro com a argumentação de que só se estavam a divertir, não foram eles que começaram, não fizeram nada de mais comparado com o que quem lidera o movimento faz e quando os argumentos se esgotam podem usar as mesmas desculpas do líder e culpabilizar a vítima para assim atenuar a sua.

Os motivos que levam uma criança a liderar uma acção de bullying já foram acima descritos, os motivos que levam ao efeito bullying em manada normalmente tem a ver com o medo de não serem elas a vítima pois acreditam que enquanto as atenções estão dirigidas para aquela vítima ninguém se dará conta que também elas têm medos, também elas são frágeis, também elas podem não ter razão, também elas têm medo de não serem boas o suficiente, também elas podem ser vítimas de qualquer coisa e enquanto a vitima a atacar estiver bem clara e definida, todas as suas fragilidades passam despercebidas.

O tema do bullying nas crianças e adolescentes é uma preocupação na sociedade actual, já o tema do bullying nos adultos é algo desvalorizado e muitas das vezes ridicularizado. Afinal ninguém quer admitir que é um bullie, ou que pratica bullying sob o efeito manada.

Mas o bullying nos adultos acontece e muito, seja no emprego, na família, no ginásio, nos jogos entre amigos, nas saídas à noite, nas idas ao futebol, nas colectividades, e sobretudo na Internet.

Naturalmente que ninguém assumirá que está a fazer bullying, pois tal como as crianças ou adolescentes. Dirão que estão apenas a brincar, que toda a gente faz isso, que a pessoa não leva a mal, que não têm culpa da pessoa ser ‘esquisita’ ou simplesmente «onde é que já se viu darem voz a um homossexual para dizerem que não posso obrigar o meu filho a dar beijos a quem eu achar que ele tem obrigação de beijar?»

Pois é, a esmagadora maioria dos adultos em Portugal é muito sensível ao tema do bullying que as crianças e os adolescentes sofrem, sobretudo quando o problema acontece com os seus filhos ou familiares. Acredito profundamente nisso e ainda vou mais longe, pois acredito que os milhões de pessoas que nos últimos dias têm atacado, injuriado e perseguido o Professor Daniel Cardoso também são sensíveis ao tema do bullying que as crianças e os adolescentes sofrem, sobretudo quando o problema acontece com os seus filhos ou familiares.

Por ter esta crença gostava mesmo muito que os milhões de pessoas que nos últimos dias têm injuriado o Professor Daniel Cardoso pensassem sobre a seguinte questão:

Não estarás tu a fazer parte da manada de bullies que estão a praticar cyberbullying contra o Professor Daniel Cardoso?

Provavelmente dirás que não, provavelmente dirás que simplesmente estás a exprimir a tua opinião tal como ele exprimiu a sua, provavelmente dirás que foi ele que começou isto tudo, provavelmente dirás que não tens culpa que «um paneleirote», «uma aberração», «um degenerado», etc. venha para a televisão pública que é paga com os teus impostos dizer que é uma violência obrigares fisicamente o teu filho a dar um beijinho aos avós ou seja a quem for que tu aches que o teu filho deva beijar.

Provavelmente dirás que partilhaste aquele meme porque a verdade é que ver uma foto daquelas em público é que é uma violência. E então partilhas uma imagem que não queres ver só para poder dar a tua opinião que aquilo é uma uma vergonha… Propagando assim a dita «vergonha». Ou então, não partilhaste a imagem porque é mesmo «uma vergonha» mas emitiste opiniões idênticas às de quem partilhou a imagem sobre o Professor ou concordas com essas opiniões. 

Proponho-te então que façamos juntos um breve exercício. Estou certo que como uma pessoa educada e de bons costumes que és não irás recusar o meu amável pedido. Caso sejas um verdadeiro machão, então acredito que não tenhas medo de ler e tenhas tomates suficientes para fazer este exercício mental que te convido agora fazer.

Vamos imaginar que um miúdo adolescente vai a um concerto e como muitos de nós fizemos na nossa adolescência, saiu de casa com uma roupa e a meio do caminho, parou em algum lugar discreto para trocar de roupa por outra que levava na mochila e já entrou no concerto com uma roupa diferente daquela com que os pais o viram sair de casa. Vamos supor que estava no concerto vestido com uma T-shirt de rede e que estava lá com o namorado a dançar e a curtir o concerto com ele. Sim, porque apesar dos pais nem desconfiarem este jovem adolescente é homossexual.

Sim, é verdade. Apesar dos pais deste jovem adolescente serem pessoas com muitos valores e princípios e os terem passado rigorosamente ao seu filho, dando-lhe uma educação correcta para que ele se torne um Homem, ainda assim ele é homossexual.

Agora vamos supor que um colega da escola do rapaz que também estava no concerto lhe tirou uma foto com ele vestido dessa maneira e a dançar com o namorado, fez um meme a gozar com ele que colocou na internet e a foto viralizou.

Neste momento milhares de pessoas da escola, da sua terra e mesmo do emprego dos pais, divertem-se a gozar e a ofender o rapaz simplesmente porque aproveitaram a sua opção sexual para tentar ridicularizá-lo, persegui-lo e humilhá-lo, mesmo que grande parte das pessoas nem sequer teve inteligência suficiente para conseguir fazê-lo, houve muitos a dizer que ele é uma aberração e que deveria era ser violado, assassinado ou então o melhor mesmo era que se suicidasse.

Vamos agora por uns instantes imaginar que o rapaz jovem adolescente de que temos estado a falar é o teu filho.

Claro que isto tudo provavelmente te parece ridículo e uma aberração impossível de acontecer, mas foi por isso mesmo que no inicio desta história quando te pedi para fazeres este exercício comigo te disse que tinhas de ter tomates suficientes.

Então, enche-te de coragem e faz lá o exercício comigo:

  • O que é que tu farias nesta situação?
  • Dirias ao teu filho que a culpa do que está a acontecer é dele?
  • Dirias ao teu filho que se ele quer continuar a ser homossexual então que faça as coisas pela calada sempre em locais muito privados onde ninguém o possa ver e muito menos fotografar?
  • Dirias ao teu filho que independentemente do grau académico que conseguir conquistar, a sua opinião nunca terá qualquer valor independentemente da quantidade de estudos que corroborem a mesma, só por ser homossexual?
  • Dirias ao teu filho que se ele é homossexual então não tem valor como pessoa, pois é uma aberração e uma violência para a sociedade?
  • Dirias ao teu filho que, no máximo, ele será tolerado por algumas pessoas mas que o melhor é mesmo ser violado ou assassinado?
  • Dirias ao teu filho que o melhor será mesmo suicidar-se?

Era isso que dirias ao teu filho?

 

Ou será que se fosse o teu filho farias diferente?

Ou será que irias à escola, ou à polícia pedir ajuda para obrigarem as pessoas a pararem com isso. Para que parassem de fazer bullying ao teu filho. O mesmo, exactamente o mesmo bullying que tantas pessoas (talvez mesmo pessoas que tu conheces, talvez mesmo tu…) fizeram recentemente ao Professor Daniel Cardoso?

O que farias nesta hipotética situação?

O que o Professor Daniel Cardoso fez foi afirmar que é uma violência obrigar uma criança a beijar um adulto. Ele disse isto para explicar que a educação para o respeito pelo próprio corpo começa de pequenino e começa em coisas tão simples como não obrigar as crianças a dar beijos a ninguém, seja ou não família.

Quando estamos a falar de beijos, toques e qualquer coisa que tenha a ver com a intimidade e o corpo da criança não é NÃO. 

Quando estamos a falar do corpo e de contactos íntimos de uma criança (e já agora de uma pessoa adulta também) não é NÃO.

NÃO, não passa a ser sim caso a outra pessoa tenham mais poder, ou seja da família, ou o “sim” seja mais confortável para o adulto, ou melindre os sentimentos de alguém. Não é NÃO! É sempre, NÃO!

O que o Professor Daniel Cardoso fez foi por em causa a instituída forma de educar baseada numa cultura de obediência, onde sempre se obrigou as crianças a darem beijos, pois dessa forma os pais demonstram aos outros adultos que estão a fazer um bom trabalho em educar crianças obedientes, sem questionarem o que pode significar  para uma criança dar um beijo por obrigação.

O que o Professor Daniel Cardoso fez foi afirmar que quando obrigas o teu filho a beijar alguém, a deixar que lhe peguem ao colo, estás a educá-lo que ele não é dono e senhor do seu corpo, que o verdadeiro dono do seu corpo é quem tem mais poder e ele tem de aceitar isso.

O que o Professor Daniel Cardoso fez foi afirmar que quando obrigas o teu filho a beijar alguém, a deixar que lhe peguem ao colo, estás a educá-lo no sentido em que quem exerce força física acaba por ficar com a «razão» e também com o poder sobre o mais fraco.

O que o Professor Daniel Cardoso fez foi colocar-nos a pensar na quantidade de crianças que foram e são constantemente obrigadas a dar beijos a quem as violou, ou a quem ainda as irá violar.

O que o Professor Daniel Cardoso fez foi por em causa a forma como ages com o teu filho, porque apesar das tuas boas intenções, pode mesmo não ser a mais correcta, porque sem querer podes até estar a preparar o teu filho para aceitar que um ‘respeitável’ adulto (que pode ser um avô, um tio, um padrasto, um professor, um treinador, etc) faça do corpo dele aquilo que quiser, porque afinal de contas ele é apenas uma criança, o seu corpo não é inteiramente seu e tem de obedecer aos adultos, caso contrário pode ter problemas.

Voltando ao início, o que o Professor Daniel Cardoso fez provocou medo em muitos adultos respeitáveis (talvez em ti também) e em resposta ao medo muitos responderam fazendo bullying com o Professor, dando assim um exemplo de como ser bullie por ‘bons’ motivos às gerações mais novas, possivelmente, aos próprios filhos.

Talvez tudo isto te tenha feito pensar que afinal não tens assim tanta conexão com o teu filho para que ele aceda a um pedido teu e isso leva-te a obrigá-lo a fazer coisas.

Eventualmente pode ter emergido o medo de como pai ou mãe, não seres bom o suficiente. Afinal de contas se o teu filho ‘não é educado o suficiente para dar um beijo aos avós’ fica demonstrado perante os teus pais e sogros que tu ‘não tens mão dele’ e isso poderá obrigar-te a ceder ainda mais à forma como os teus pais ou sogros acreditam ser a forma correcta de educar o teu filho.

Poderá também ter vindo à tona o medo de ficar de parte. Afinal de contas quem é que se irá querer juntar à mãe ou pai que nem sequer é capaz de educar o seu filho para dar um beijinho aos avós?

Talvez te tenha activado um dos medos atrás referidos, ou vários, ou até mesmo outros, mas na prática o que o Professor Daniel Cardoso fez foi provocar medo e tu, como sempre, fizeste o melhor que podias com os recursos que tinhas disponíveis no momento e com as melhores intenções, mas, apesar de tudo, o que tu fizeste nesse momento foi bullying.  

O meu propósito com este artigo não é provocar culpa mas sim despertar consciências, pois em tempos também eu achei que os miúdos de agora não passavam de umas crianças mimadas mal educadas e sem disciplina. O que me fez pensar diferente foi a habilidade que tenho de por em causa as minhas próprias convicções e certezas.

Naturalmente que quando coloco em causa as minhas convicções fico com dúvidas e isso por vezes gera medo. Por outro lado, quando coloco em causa as minhas convicções posso chegar a diferentes conclusões:

  • Que estas fazem-me cada fez mais sentido e isso fortalece ainda mais as minhas convicções
  • Posso chegar à conclusão que outras convicções diferentes podem fazer-me gerar melhores resultados para mim e de forma mais ecológica para as pessoas que amo.  

Estou convicto que jamais desejarias ser pai (ou mãe) de uma vitima de bullying, tanto como jamais desejarias ser pai (ou mãe) de um bullie e que estás disposto a fazer tudo o que estiver ao teu alcance para que nenhuma destas situações aconteça na tua família.

O que estou aqui a tentar fazer, é a convidar-te a trocar o medo por amor, porque acredito que qualquer caso de bullying poderá extinguir-se totalmente no amor.

Esta foi a minha contribuição de hoje para a Comunidade Pais Mais Ligados, agora quero ver a tua! Aproveita este artigo para manifestares a tua opinião ou até mesmo para abrires um debate sobre o tema. Se este artigo fez sentido para ti e achares que possa ajudar alguém, por favor partilha.

Com amor,

António

Imagem: DivvyPixel

 

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