
Fui recentemente entrevistado pela revista Sábado para um artigo [Link] sobre o medo do Halloween que algumas crianças têm. Como o artigo é um compêndio de várias opiniões sobre o assunto decidi aprofundar aqui a minha visão sobre o medo do Halloween.
De facto apesar de para a maioria das crianças o dia de Halloween ser sinónimo de diversão, existem adultos que só de olhar para a abóbora de Halloween ficam em pânico, ou até mesmo com as máscaras de Halloween.
Hora se isto acontece com alguns adultos que sofreram algum tipo trauma em crianças ou em jovens, então é natural que existam muitas crianças que também tenham medo da abóbora (que na realidade deveria ser um nabo – Podes explorar esta questão lendo o artigo «Faz sentido celebrar o Halloween?» [Link] – das máscaras, dos fatos de Halloween e de todas as coisas associadas à data.
Em alguns casos esta questão pode tornar-se ainda mais complicada quando estes têm de fazer desenhos de Halloween ou trabalhos manuais de Halloween e os seus medos são simplesmente desvalorizados, às vezes até ridicularizados pelos pais, professores ou educadores.
Há um ano atrás escrevi uma trilogia de artigos – Artigo 1 [Link] | Artigo 2 [Link] | Artigo 3 [Link] onde questionei se fazia sentido celebrar o Halloween e qual a intenção desta festa na nossa sociedade. Ora se eu tenho muitas dúvidas em relação ao facto de festejar o Halloween nas escolas, no caso dos infantários e creches não vejo qual o interesse em mascarar crianças tão pequenas em seres assustadores sem saberem qual é o sentido uma vez que a esmagadora maioria das educadoras também não sabe realmente o que é o Halloween e portanto contam estorinhas às crianças. Nessa trilogia ficas a conhecer o que é e de onde vieram as várias correntes para o Halloween ser o que é hoje.
A questão é que actualmente existe uma enorme pressão por parte dos pais para que os infantários e as creches façam coisas com as crianças e sobretudo mostrem a estes o que os seus filhos já conseguem fazer.
Seja no Dia das Bruxas, no Natal, no Carnaval, fim do ano escolar, etc, se observares com atenção estas festas o mais provável é veres crianças que se estão a divertir muito pouco e professores/educadores muito tensos nas ‘demonstrações’ aos papás do que é que os meninos já são capazes de fazer. Isto coloca uma enorme pressão nas crianças, uma vez que se não fazem a coreografia correctamente ficam com a sensação que não estiveram à altura, já sem falar de que têm de ficar sentados, alinhados e muito quietos enquanto esperam pela sua vez de actuar, isso não é nada divertido e nem sequer parece uma festa.
Assim, as festas não são festas e sim testes para os papás avaliarem. Os professores também sofrem com isto, uma vez que se a criança não fez o que deveria ter feito a culpa tende a ser direccionada ao professor que não a soube ensinar.
Estas festas têm muito pouco de diversão uma vez que servem, na sua grande maioria, para satisfazer as necessidades e desejos dos pais em projectar os seus sonhos e frustrações nos seus filhos. No caso dos festejos do Halloween nos Infantários e Creches servem para muitos papás competirem entre eles para ver quem leva a fantasia mais bonita ou original.
Claro que tudo tem benefícios e os festejos do Halloween não são excepção – Podes explorar esta questão lendo o artigo «Faz sentido celebrar o Halloween? – Doces ou Travessuras? Travessuras claro!» [Link], no entanto estes ‘festejos’ do Halloween também intensificam uma série de conceitos muito negativos para as crianças, nomeadamente:
– O facto da grande maioria dos pais sentir amor incondicional pelos seus filhos, mas praticar amor condicional através de castigos e recompensas.
– A péssima alimentação que as crianças têm hoje em dia. Se não havia grande problema em entupir as crianças de doces por uns dias há trinta anos atrás, uma vez que elas passavam a vida na rua a brincar e as guloseimas eram por norma apenas para os dias de festa, agora que metade das crianças têm excesso de peso, este acrescento de doces às toneladas diárias de açúcar que as crianças já ingerem parece-me, no mínimo desaconselhado.
– Bullying, o conceito “trick or treat” vem da comemoração do enforcamento do católico Guy Fawkes onde muitos Protestantes celebravam-na usando máscaras e visitando as casas dos Católicos para, sob coacção, exigir deles cerveja e pastéis, com a ameaça “trick or treat” que era uma forma de dizer “Ou nos dás pasteis e cerveja ou partimos a tua casa toda”. Claro que as crianças não sabem isto e depende muito da forma como se faz a brincadeira, mas na prática o que acontece nos actuais festejos de Halloween é um grupo de indivíduos (neste caso crianças) que ‘ameaçam’ alguém a dar-lhes algo caso contrario irão ataca-los. Claro que isto é brincadeirinha, a minha observação aqui é no sentido de não ver interesse algum em estimular e festejar este tipo de brincadeiras, sobretudo em crianças em idades de creches e infantários.
– Colocar as bruxas no mesmo saco dos vampiros, zombies e outros seres do mal. Uma excelente forma de criarmos filhas empoderadas ou filhos que encarem sinceramente a mulher com igual valor (coisa socialmente aceite mas que na prática não passa de uma enorme hipocrisia na sociedade actual), é explicarmos-lhes bem o que eram realmente as bruxas. – Podes explorar esta questão lendo o artigo «Faz sentido celebrar o Halloween? – Menos Doces, Mais Amor» [Link] – e estas não eram os seres do mal que o Halloween faz representar ao junta-las a todos os outros seres monstruosos.
Algumas crianças têm medo do Halloween e choram ou escondem-se e muitos adultos acham estranho e não percebem de onde vem esse medo.
A resposta é muito simples, vem do facto das fantasias serem assustadoras e andarem todos a pregar sustos uns aos outros.
Os adultos têm enormes incongruências e isso confunde as crianças e afasta os adolescentes. O Halloween é um excelente exemplo disso pois querem brincar a assustar e meter medo às pessoas, mas depois acham estranho que algumas crianças fiquem com medo e muitas vezes desvalorizam esse medo e até ridicularizam-no. No entanto não estou a ver nenhum adulto que goste muito que lhe andem a pregar sustos ou que goste de ter medo.
Então qual será o comportamento mais interessante a adoptar quando um filho tem medo?
Com naturalidade, funcionando como um porto de abrigo para a criança e sobretudo explicando-lhe que é normal que ela sinta medo, afinal de contas a máscara/fantasia é assustadora (é esse o seu objectivo). Depois explicar que foi só uma brincadeira e que a máscara não passa disso, duma fantasia, um faz de conta, onde por de trás está outra criança igual a ela. Se mesmo assim a criança continuar com medo o ideal será retirá-la rapidamente desse cenário e não desvalorizar o medo da criança.
Infelizmente a maioria dos pais desvaloriza o medo da criança e instala no seu inconsciente comandos nada interessantes, às vezes em discurso directo «ai que mariquinhas que tu és», «és muito medrosa», outras em discurso indirecto ao justificarem-se a outras pessoas «ela é muito medrosa».
Se transpusermos isto para o mundo dos adultos a coisa muda de figura, ou seja, se eu te assustar e tu não achares piada à brincadeira, o mais natural será eu pedir desculpas e não repetir a graça. Agora se eu continuar a assustar-te o mais natural é achares que eu estou a comportar-me como um imbecil. Já no caso das crianças é muito comum os pais tentarem forçar a coisa para ver se a criança se habitua ao evento que está a acontecer e se assim consegue vencer o medo.
Infelizmente alguns pais vivem mais o Halloween que os filhos, compram-lhes máscaras sem eles pedirem (ainda ontem no hipermercado onde existiam várias mascaras assisti a uma mãe com um fato na mão e uma menina atrás a chorar porque não queria a mascara e dizendo «amanhã eu não vou à escola, vais ver se eu vou, eu não vou, não me vais obrigar a ir»), decoram a casa toda, compram os doces para os miúdos distribuírem, etc. Com esta logística toda é natural que alguns pais tenham medo que os filhos tenham medo, uma vez que isso irá estragar os seus planos e mostrar aos outros pais que ‘há algo errado com o seu filho’.
Se recuarmos trinta anos iremos vermo-nos como crianças e a recordação que temos da última semana de Outubro era os nossos pais a prepararem-se para comemorar o Dia de Todos os Santos e depois iam ao cemitério no Dia dos Finados prestar homenagem aos entes queridos que já partiram. Daqui a 30 anos a recordação que os nossos filhos terão sobre a última semana deste mês será a dos pais a organizarem o Halloween e aqui voltamos ao facto dos pais projectarem os seus sonhos e frustrações nos seus filhos.
Da mesma forma que assumem as vitórias do seu clube como pessoais, criam uma série de espectativas em relação a inúmeras coisas na vida dos filhos e este tipo de eventos não é excepção. Agora imagina a maçada que é todo este tempo e dinheiro investido no Halloween e a criança faz parte daquelas que têm medo. É uma chatice, uma frustração, pois ansiaram que o filho fosse o mais assustador, o mais original, ou simplesmente que se divertisse muito porque no tempo deles não tinham estas coisas e como eles que são adultos e acham graça, é uma chatice (chegando até ser uma desilusão) os filhos fazerem parte daqueles que têm medo, fazerem parte do grupo dos ‘fraquinhos’.
Já houve casos em que ajudei pais na questão de gerir os sentimentos que sentem quando os filhos têm medo deste tipo de coisas ou simplesmente não querem participar delas porque não gostam e os pais acham que há algo de errado com eles, ou se sentem um pouco inferiores perante os outros pais ou avós. É possível resolver este tipo de medos utilizando técnicas de Programação Neurolinguística. No entanto em primeiro lugar é importante perceber que ter medos destas coisas nestas idades é, na grande maioria dos casos, algo perfeitamente normal pelo que normalmente a única coisa a resolver tende mesmo a ser a frustração dos pais.
Claro que este tipo de brincadeiras podem ser traumáticas daí eu ter afirmado logo no início não ver interesse neste tipo de festejos do Halloween. Para esses casos traumáticos resultantes de sustos, brincadeiras, filmes, etc. existem técnicas de PNL que tendem a ser muito eficazes a resolver este tipo de questões.
Mas afinal o que é a Programação Neurolinguística?
De uma forma muito sucinta podemos afirmar que a Programação Neurolinguística é um modelo que tem como base a forma como comunicamos connosco e com os outros. Foi inicialmente desenvolvida na década de 70 por Richard Bandler, Frank Pucelik e John Grinder que, interessados em modelar a excelência humana, estudaram e modelaram exaustivamente Milton Erickson e Virginia Satir.
Ao contrário de outras abordagens cujo foco é a disfunção e a suposta anomalia, a Programação Neurolinguística interessa-se em observar e apreender estratégias que produzam resultados eficientes para depois codificá-las. Tendo por base a modelagem e aprendizagem de estratégias que produzam resultados eficientes, dentro dos estudos da PNL surgem códigos de comunicação, liderança, terapia, formação, alta performance, etc. A utilização desses códigos permite alcançar os resultados pretendidos em várias áreas da vida, o que permite ajudar pessoas a alterar algo profundamente, sendo que às vezes em apenas poucos minutos.
Aprofundando um pouco mais podemos dizer que a PNL abrange três componentes extremamente influentes na experiência humana: neurologia, linguagem e programação.
O sistema neurológico regula o funcionamento do corpo, a linguagem determina a forma como nos comunicamos e como nos relacionamos com outras pessoas e a programação é o que determina o nosso próprio modelo do mundo.
Assim, a programação neurolinguística estabelece a dinâmica entre mente (neuro) e linguagem (linguística) e como a interação entre a nossa mente e a linguagem afeta o nosso corpo e determina os nossos comportamentos (programação).
A PNL, estuda a forma como usamos a linguagem da mente para que alcancemos os nossos desejos e objetivos. No fundo, é o estudo da excelência humana.
Explicando de uma forma muito resumida podemos dizer que cada evento é processado internamente de forma neurológica, cada um de nós faz a sua representação interna desse evento. Essa representação gera ou é acompanhada de uma determinada postura fisiológica, que em conjunto geram um determinado estado emocional, que depois gera um determinado comportamento e finalmente esse comportamento determina o resultado desse evento para cada um de nós, segundo a programação pessoal de cada um.
Pegando no exemplo do Halloween, imaginemos o seguinte cenário: Uma criança aprendeu que existem monstros, bruxas e seres que nos fazem mal, seja através de um desenho animado, seja um familiar que lhe disse que se não come a sopa vem a bruxa má e leva-o e mostram-lhe de alguma forma imagens para que possa identificar esses monstros e seres do mal de forma a que tenha medo deles, ou seja, a criança criou uma representação interna através de imagens, sons e emoções. Depois no Halloween a criança não só é obrigada a ver todos os seus amiguinhos vestidos destes seres do mal, como também é convencida que é divertido transformar-se naquilo que lhe causa medo. Este medo e os comportamentos que partem dele foram implantados pela representação interna que a criança fez do que aprendeu e podem repercutir-se não apenas no Halloween mas em várias outras situações da sua vida podendo até dar origem a situações de baixa-autoestima, fobias, depressões, etc. Isto pode ser revertido através da aplicação das técnicas da PNL por alguém devidamente credenciado.
O medo é algo natural no ser humano, todos nós temos medo e isso é bom. O medo é uma resposta emocional induzida pela perceção de uma ameaça que causa uma mudança na função cerebral e orgânica, gerando um determinado comportamento. O medo pode levar-nos a esconder, a fugir, lutar ou mesmo a paralisar. Em situações de perigo é também o medo que nos pode salvar. Mas o chato é que o medo leva-nos também a evitar tudo aquilo que é novo ou desconhecido o que faz com que muitas vezes por medo evitemos exatamente aquilo que mais queremos.
Existem muitas vantagens e benefícios em enfrentar e superar os medos, as principais são:
– Ganhar confiança em si mesmo e no seu próprio poder. Enfrentar um medo enche-nos de coragem, aumenta a nossa autoconfiança, autoestima e autoconhecimento. Com isto acabamos por atrair melhores oportunidades para a nossa vida porque estamos melhor preparados para elas, o que torna a vida melhor e muito mais divertida.
– Uma sensação de total liberdade. Quem enfrenta os seus medos, transformando a ansiedade causada pelo medo em entusiasmo pelo que conquistará ao superar esse medo faz a pessoa sentir-se muito mais livre. Livre para viver a vida que quer, porque não tem nada que o prenda ou paralise.
– Quanto mais enfrentamos os medos, mais fácil fica superá-los e o sentimento de conquistar algo de que temos medo é muito poderoso porque aumenta a nossa confiança e autoestima.
– Vencer um medo é aprender sobre o medo e isto capacita-nos a enfrentar outro. Quando enfrentamos muitos medos estamos a limpar completamente as nossas percepções, ou seja, as representações internas, programação e padrões de comportamento que tínhamos antes e que nos causavam o medo.
– Enfrentar o medo como um todo capacita-nos com competências para superar qualquer situação na vida.
Estas são algumas das vantagens de enfrentar os medos, mas é necessário que enfrentemos os nossos medos a partir de uma situação que desejamos e dum estado de poder pessoal.
Quando se trata de uma criança por exemplo, não é bom obrigá-la a enfrentar o medo à força e muito menos critica-la e julga-la por não o fazer, dizendo-lhe que é uma mariquinhas por exemplo. Isso só enfraquece e fragiliza ainda mais criança dando cada vez mais poder ao medo que ela já tem.
Primeiro temos de ajudar a criança a perceber que é normal ter medo. Depois ajudamo-la a criar uma nova percepção da realidade (ou situação em questão), colocando-se numa posição de poder, em que se sinta bem, confiante e ao mesmo tempo em que deseje algo que poderá ser atingido por superar esse medo e mostrando-lhe que ela consegue, que acreditamos nela e estamos ali para proteger e apoiar.
Assim estamos a preparar a criança para criar uma vida muito mais livre, confiante e divertida.
Ter medo é normal e natural, mesmo que seja do Halloween e não há nada de errado com o teu filho, nem mesmo contigo se ele/ela ou mesmo tu tiverem medo do Halloween. Tu não és obrigado nem tens de obrigar o teu filho a gostar do Halloween e também não têm de participar neste ‘festejo’ se não é algo de que gostam.
Não existe nada de errado em ter medo do Hallowen, nem sequer é assim tão importante. O que realmente importa são outros medos que podem atrasar ou prejudicar a vida dos nossos filhos assim como já têm prejudicado a vida de alguns de nós. Medos que nos impedem e podem vir a impedir os nossos filhos de viver a vida que sonharem ter e de fazer aquilo que querem fazer. Falo de medos como:
- Medo de falhar
- Medo de ser rejeitado e de não ser aceite
- Medo de ser visto como é
- Medo de ser considerado esquisito e estranho
- Medo de ser criticado e julgado
- Medo de ser invejado ou odiado
- Etc., etc,
Estes sim, são medos a levar em consideração e talvez algum destes possa ser o pior medo do teu filho por de trás do medo do Hallowen, talvez o medo de ser rejeitado ou considerado esquisito por não querer fazer o que todos os outros fazem e não usar uma mascara ou não querer ser um ser assustador, ou alguém que se diverte a pregar partidas.
Então, algo que pode ser uma grande ajuda, quer para as crianças, quer para os próprios pais em várias situações da vida em que sentimos algum dos medos que mencionei acima, é responder às seguintes perguntas:
- O que farias se não tivesses medo?
- Qual o exacto medo que te está a impedir de fazer o que desejas?
- O que tentarias fazer, ou criarias, ou mudarias na tua vida se o medo não existisse?
Esta são perguntas tão poderosas para te fazeres a ti próprio e para colocares aos teus filhos sempre que o medo aparece em qualquer situação, porque o único medo que realmente importa, seja para as crianças ou mesmo para os adultos, não é o do Halloween, é aquele que nos impede de viver a nossa vida como desejamos e fazer aquilo que nos faz feliz.
Esta foi a minha contribuição de hoje para a Comunidade Pais Mais Ligados, agora quero ver a tua! Aproveita este artigo para manifestares a tua opinião ou até mesmo para abrires um debate sobre o tema. Se este artigo fez sentido para ti e achares que possa ajudar alguém, por favor partilha.
Com amor,
António
Parabéns pelo artigo. Precisamos urgentemente substituir as práticas culturias infantis que celebram o medo a morte e o terror, por práticas que celebrem a vida.