Faz sentido celebrar o Halloween?

Dentro de uma semana as nossas escolas serão invadidas por bruxas, demónios, vampiros, esqueletos e outros seres das trevas…

Calma, não é caso para alarme, são apenas as nossas crianças fantasiadas para comemorar um tal de Halloween.

O que me pergunto é, será que as professoras e professores que os convidam a ir fantasiados para as escolas e embarcam nesta estória de Halloween sabem mesmo o que vem a se isto do Halloween e conhecem a sua história?

Qual é a intenção desta festa na nossa sociedade?

Até há bem poucos anos em Portugal comia-se Cozido à Portuguesa com muita frequência e hoje os Portugueses trocaram esse hábito pelos restaurantes de Fast Food. Da mesma forma até há bem poucos anos atrás falava-se em Portugal do Dia das Bruxas, mas agora passou a Halloween.

Mas será que esta analogia faz algum sentido?

Será que esta importação poderá ter um efeito tão negativo nas nossas crianças como tem tido o da importação do Fast Food?

Em primeiro lugar há que entender de onde é que vem esse tal de Halloween, coisa que muito poucos pais e professores em Portugal sabem. O que me parece ainda mais estranho é o facto da maioria nem se importar em saber, mas mesmo assim gastam dinheiro em festas e fantasias e colocam suas crianças a comemorar algo que nem eles mesmo sabem muito bem o que é.

É claro que na escola do meu filho também já não se fala de outra coisa e ele também já pediu várias vezes para ir fantasiado para a escola nesse dia. No outro dia a mãe quis saber quais os seus conhecimentos sobre o Halloween e tiveram uma conversa:

– Sabes o que é o Halloween filho?

– Sei, é o Dia das Bruxas e nesse dia é como no Carnaval, os meninos podem ir mascarados para a escola só que com fatos diferentes, estes são fatos terríveis e eu quero ir de morcego.

– E tu sabes o que significa o Dia das Bruxas?

– Significa que podemos ir mascarados para a escola e isso é fixe!

– Mas a professora não vos explicou o que significa e porque devem ir mascarados?

– Não falamos muito sobre isso, mas todos estão a falar que o Dia das Bruxas é dia 31 e a professora disse que podemos ir mascarados nesse dia se quisermos e eu quero! De morcego, porque eu gosto muito de morcegos… Além disso no Halloween também podemos pedir doces às pessoas e se não nos derem podemos pregar-lhe partidas e isso é divertido. Como eu quero vestir-me de morcego se não me derem doces posso fingir que lhes chupo o sangue. Que achas?!

– Ãnhhhh…

Depois desta conversa eu decidi investigar um pouco mais e tentar perceber, primeiro afinal o que é isso de Halloween, de onde veio, se faz algum sentido nós comemorarmos esta data e sobretudo incentivar nossas crianças a fazê-lo, ou se isto é apenas uma hipnose generalizada e uma manipulação da indústria para gastar mais uns dinheiros com guloseimas e fantasias que afinal nada têm a ver com a nossa cultura e nos fazem agir como zombies, o que na época até vem bem a propósito…

Do resultado desta minha investigação, saíram três artigos. Neste primeiro eu conto um pouco da história do Halloween para que possamos entender afinal o que é isto que os nossos filhos andam tão entusiasmados em comemorar e até para depois lhe podermos contar uma história um pouco mais verdadeira sobre o Halloween. Assim pelo menos podemos aproveitar toda esta manipulação comercial a que estamos sujeitos para viver um momento de histórias e consciencialização em família. No próximo artigo falarei então sobre os vários efeitos negativos que o Halloween pode trazer para as nossas crianças, sobretudo relacionado com a questão do “trick or sweet”.

Acredita-se que o conceito do Halloween teve por base o Samhain, um antigo festival Celta da colheita que marcava o fim do Verão e tinha também como objectivo dar culto aos mortos e à deusa YuuByeol que era o símbolo da perfeição para os Celtas. Estas festividades duravam uma semana e davam lugar ao Ano Novo Celta e a Festa dos Mortos, uma das suas datas mais importantes pois para os Celtas o lugar dos mortos era um lugar de felicidade perfeita, onde não haveria fome nem dor. As festas eram presididas pelos sacerdotes druidas (pessoas encarregadas das tarefas de aconselhamento, ensino, jurídicas e filosóficas dentro da sociedade Celta), que actuavam como médiuns entre as pessoas e os seus antepassados. Dizia-se também que os espíritos dos mortos voltavam nessa data para visitar seus antigos lares e guiar os seus familiares rumo ao outro mundo.

Até aqui não há doces nem travessuras, muito menos medo dos defuntos…

Durante os tempos houve várias guerras com o intuito de conquista e após essa conquista o objectivo era que as populações aceitassem os costumes e religiões do conquistador. Como a religião é uma questão de crenças e isso é razão mais que suficiente para um povo se rebelar, uma das formas mais usadas para acalmar os ânimos e ajudar à transição de religião era criar um dia para todos os deuses. Quando o cristianismo se sentiu suficientemente forte e robusto decidiu fazer a transição e foi então que o Papa Bonifácio IV decidiu transformar um panteão (templo romano dedicado a todos os deuses) num templo cristão e dedicou-o a Todos os Santos.

A Festa de Todos os Santos era celebrada inicialmente no dia 13 de Maio, mas o Papa Gregório III mudou a data para 1 de Novembro, uma vez que era o dia da dedicação da capela de Todos os Santos na Basílica de São Pedro em Roma.

Como era uma celebração muito importante acabou por ganhar uma parte de celebração em vigília na noite anterior (31 de outubro). Essa vigília era chamada “All Hallow’s Eve” (Vigília/Véspera de Todos os Santos), passando depois pelas formas “All Hallowed Eve” e “All Hallow Een” até chegar à palavra actual “Halloween”.

Então o que é que isto tem a ver com criancinhas a bater às portas a gritar doce ou travessura? Até agora nada mas já chego lá, sendo que não vou chegar bem lá uma vez que o Halloween não tinha muito a ver com doces pelo que a história foi bastante distorcida pelos Americanos, tal como normalmente o fazem nas estórias para crianças. Aliás posso dizer-te que os Americanos são brilhantes a agarrar numa história ou estória Europeia alterá-la e regurgitá-la de volta ao resto do mundo como se fosse deles, o Pai Natal é um bom exemplo disso – Podes explorar mais este assunto lendo o artigo «Achas que o teu filho acredita no Pai Natal?» [ Link ]

Outro exemplo é a esmagadora maioria de nós acreditar que a Bela Adormecida é uma estória criada pela Disney onde esta acorda com um beijo de amor do seu príncipe encantado, quando na verdade estamos a falar de uma estória de origem Europeia onde a Bela Adormecida acorda a ser violada por um príncipe que de encantado tinha muito pouco, pelo que a ideia original de contar a história não era passares o sonho à tua filha de ela se tornar uma bela princesa e ficar à espera que apareça um príncipe encantado que lhe resolva a vida. Pelo que conheço da estória original da Bela Adormecida acredito que a ideia a passares para a tua filha seria algo do género:

«Faz por ti porque se te deixas ficar a dormir à espera que um príncipe encantado te venha salvar estás literalmente… fodida!»

Pessoalmente acho a mensagem original muito mais empoderadora para as mulheres, mas se quiseres continuar a educar a tua filha para ser uma princesinha tu é que sabes…

Bem, após um pequeno desvio por outras estórias diria que no mínimo mal contadas, voltemos ao Halloween e à sua origem. Para compreenderes melhor é importante que tenhas em mente que no final do século XV a Europa estava com apenas metade da sua população de há cem anos devido sobretudo às mortes causadas pelas pestes Negra e Bubônica.

Como nunca se tinha ouvido falar de um volume tão elevado de mortalidade onde a guerra não era a causa, os católicos ficaram ainda mais assustados com a morte pois ela estava a ocorrer com enorme frequência e a sua causa escapava ao seu controlo.

Devido a isso as missas na Festa dos Finados ganharam ainda mais importância e complexidade, nascendo assim muitas representações artísticas tornando-se costume na véspera da Festa de Finados ornamentar as paredes dos cemitérios com imagens do diabo puxando uma fila de pessoas representativas de toda a sociedade para a sepultura, dado que como esta vaga de mortalidade não estava ligada a batalhas era transversal a todos. Para além dessas imagens era costume haver representações cénicas com pessoas disfarçadas a representar todas as classes sociais, bem como a própria morte.

Posteriormente apareceu o costume do “Souling” (“soul” = alma) no Dia de Finados, onde as crianças iam de porta em porta pedir um bolo, o Bolo das Almas e em troca faziam uma oração pelos familiares falecidos. É aqui que à lá americana se justifica de uma forma muito rabiscada uma transição para a de pedir um doce sob ameaça de fazer uma travessura -“trick or treat” = “doce ou travessura”.

Eu não sou nenhum especialista em tradução mas se a ideia foi que as criancinhas passaram do “um bolo por uma oração” a “doce ou travessura” então parece-me bem mais apropriado usarem a expressão “trick or sweet”, o que faz com que esta justificação seja a meu ver muito rabiscada, pelo que me parece mais sensato olhar mais atentamente para a História e esta diz-nos que quando a Inglaterra passou de um Estado Católico para um Estado Protestante houve uma enorme perseguição dos Protestantes contra os Católicos onde estes ficaram privados dos seus direitos legais, obrigados a pagar elevadas multas e impostos extraordinários, impedidos de exercer qualquer cargo público e muitos foram até mesmo presos. Celebrar a missa era passível da pena de morte o que custou a vida a centenas de sacerdotes.

Para tentar reverter a situação os católicos elaboraram um atentado contra o rei protestante Jorge I. O plano, conhecido como Gunpowder Plot (Conspiração da Pólvora), era fazer explodir o Parlamento matando o rei para que os católicos se pudessem reerguer. No entanto a trama foi descoberta a 5 de novembro de 1605, quando um católico foi apanhado com enormes quantidades de pólvora armazenada na sua casa, tendo sido imediatamente enforcado.

Pouco tempo depois a data converteu-se numa grande festa em Inglaterra onde muitos Protestantes a celebravam usando máscaras e visitando as casas dos Católicos para, sob coacção, exigir deles cerveja e pastéis, com a ameaça “trick or treat” que era uma forma de dizer “Ou nos dás pasteis e cerveja ou partimos isto tudo”.

Passados alguns séculos a comemoração do dia de Guy Fawkes (nome do católico que foi enforcado) foi levada para a América tendo sido transferida para o dia 31 de Outubro misturando-a com a festa do Halloween, que havia sido introduzida no país pelos imigrantes Irlandeses. Daí a tão famosa abóbora que conta a lenda irlandesa não ser uma abóbora e sim um nabo oco com uma brasa do fogo do inferno que foi oferecida a Jack, o Miserável (também conhecido por Jack, o Mesquinho ou Jack da Lanterna) pelo Diabo para que pudesse servir de lanterna para iluminar seu caminho no submundo, uma vez que o Céu havia-lhe sido vedado devido ao facto de ter levado uma vida demasiado pecaminosa. Como Jack havia ludibriado o Diabo por duas vezes e sob chantagem o obrigou a prometer-lhe que nunca iria levar a sua alma para o Inferno, restou-lhe assim passar toda a eternidade a vaguear pelo submundo iluminado pela sua lanterna feita com um nabo.

Voltando agora à pergunta que fiz no início.

Será que a importação desta história mal contada poderá ter um efeito igualmente negativo nas nossas crianças como a importação do Fast Food?

Tão negativo não sei, mas acredito que adoptarmos uma tradição que tem por base o poder de extorsão e perseguição de uma maioria sobre uma minoria, tenha vários efeitos negativos e são esses efeitos negativos que o próximo artigo irá abordar.

Sobre o “trick or sweet”, aprofundo mais essa questão no artigo [ Link ] que escrevi no dia de Halloween. 

Entretanto vai contando esta história às tuas crianças.

Esta foi a minha contribuição de hoje para a Comunidade Pais Mais Ligados, agora quero ver a tua! Aproveita este artigo para manifestares a tua opinião ou até mesmo para abrires um debate sobre o tema. Acredito profundamente que te sirvo melhor se usar o meu tempo e energia a criar novos artigos que te ajudem a tornar numa Mãe ou Pai Mais Ligado. Por este motivo, não entrarei em debates nem poderei responder aos comentários, mas eu leio todos e ficarei muito feliz em ler o teu. Se este artigo fez sentido para ti, por favor partilha.

Com amor,

António

 

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